Enquanto a chuva forte causava ruído ao fundo em atrito com o teto, seus olhos despejavam toda lágrima possível.
Estava sozinho, silencioso - não que isso o deixasse triste.
Pelo contrário, sentia-se imensamente perturbado quando recebia visitas.
Nas mãos, o motivo de tamanha reclusão.
A carta, coberta das lágrimas já secas, guardava em suas linhas o que de mais precioso um homem pode esconder: o amor – destruidor - de uma mulher.
Anos haviam se passado, feridas foram recobertas e sentimentos haviam sido sufocados – mas ainda sufocavam o velho.
Ela, no auge de seus 17 anos, fazia palpitar o coração de qualquer rapaz que lhe reparasse.
Linda. Mas não como as outras bem vestidas e maquiadas com precisão. Era assim pelo semblante arrebatador, sua voz suave e seu talento inato de conquistar.
Não foram precisos muitos dias até que ele se visse perdidamente apaixonado – nesse tempo, ainda se permitia amar – e amava de toda alma, todo entendimento, como deve ser.
Passava todos os dias em frente à portinha que se abria na loja onde ela trabalhava na esperança de, quem sabe, receber nem que por alguns instantes o olhar de sua musa.
A partir daí, tudo se passou rápido e inacreditável demais.
Em poucas semanas, o sentimento era absolutamente recíproco. Seus encontros se tornaram diários e indispensáveis. Seus carinhos. Planos. Promessas.
Ao todo, foram onze meses. Onze, porque antes que se completasse um ano de descoberta da felicidade, essa tratou de se esconder.
Tão bem que nunca mais pôde ser achada.
Os motivos, ele não soube jamais. Tentou diversas vezes entender qual foi a água toda que encheu a gota.
Inútil perca de tempo. Ela já estava longe demais, em corpo e em alma, pra que pudesse explicar qualquer coisa.

Dela, sobrou a saudade do cheiro, do beijo, e a carta que servia como consolo torturador ao pobre velho.
Já da felicidade, ah! A felicidade.
Dessa não sobrou nada. Não que ele fizesse questão.
E agora, enquanto a última gota de dor rasga sua face ele desfalace, finalmente se vê livre, e morre aos braços da tão companheira solidão.