quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A Casa

Vão me demolir. Há dias pessoas bem vestidas circulam dentro de mim. Entram e saem de meus cômodos com pranchetas e anotações. Somam, dividem meus metros quadrados.
Meus alicerces estão velhos, eu sei. Minhas janelas quebradas e meu teto ameaça desabar já faz um tempo.
Quando fui construída só havia campos em volta. Lembro do assoalho italiano que me colocaram, e das porcelanas que enfeitavam as estantes. Com o tempo, tudo mudou. Casas, prédios, lojas. Maiores e mais resistentes que eu. Lembro-me dos primeiros moradores, recém casados. Foi aqui onde nasceu seu único filho. Depois de uns anos ele foi embora, se casou.
Os dois passaram a se chamar de "meu velho" e "minha velha". Seus passos diminuíram de velocidade, suas palavras eram menos frequentes. Nenhum barulho alto, nem festas. Só os dois.
Uma tarde a velha caiu. Pouco tempo depois chegou um carro branco, com uma sirene barulhenta. Colocaram ela dentro, e eu nunca mais a vi.
Meu velho agora estava sozinho. Às vezes sentava nos meus degraus e se perdia em pensamentos. Chorava.
Passaram-se meses. E ele continuava pensativo. Foi deitar-se e ao amanhecer não levantou na hora de costume.
Alguém entrou, e trouxe mais gente. Trágico, ou nem tanto.
Velaram o velho em minha sala. E eu chorei, por dentro.
Tanta história, momentos, memórias de quem viveu em mim.
Mas as pessoas bem vestidas voltaram.
Meus alicerces tremem, minha defesa cai, minhas forças somem, meu teto desmorona. Agora sim, estão me demolindo. E as mesmas memórias, se destroem comigo.

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