quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Amor de inverno, por que tão vento?
tão falho e sem sentido.
Te invento em mim, homem, juro que sim.
Seguro teu espasmo, não?

Segurei tua loucura
naquelas ruas escuras, lembra?
Segurei a faca pra tu não me matar.
Malditos olhos, e dedos, e tudo.

Tua confusão nem é tão grande assim,
Teu fracasso é maior.
Medo.
Medo é desejo, ele disse.
Então é tudo que não sinto.

Agora vai,
saltitante a bailar com a bruxa dos contos que me mentiu
Dance, dance mais.
Beba, só. Muito.
Enlouqueça e crave a faca.
Crave as unhas nas carnes.
Mate. Mate-a.
E morra. Só.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Nunca achei que tivesse os pés no chão.
Mas me disseram que tenho.
Disseram que tenho até demais.  E que isso faz bem.
Bem faz saber que não ando voando por aí, como me sinto.
Que ando centrada, de pés no chão, como acham...
Bem feito a mim, que pensava estar surtando.
Não estou, nem estive, contaram.
Disseram também, esses sonhadores, que "estou tranquilo" é sinal do oposto e " estou enlouquecendo" é prova de sanidade.
Acabaram por me convencer de que quando se é, não se fala em hipotese alguma.
Nem a verdade, nem o disfarce.
que é pra não ser descoberto e acabar com a graça toda.
E isso nos leva ao início, quando voavamos tocando o chão e achavamos o máximo ser diferente como todos os outros querem ser. E o são.
São é um estado bom, confortavel. Não me lembro dele.
Mentira.
Somos sãos, santos. Todos nós.
Que temos os pés no chão, e não voamos, como me disseram.



sábado, 26 de maio de 2012

Poeta à Revelia

Ele, por assim dizer, não era grande coisa.
Grandes coisas são exageradas, dispensáveis.
Mas ele, de fato, não era. Atrás daqueles instrumentos perdia a vergonha e, sem vergonha, fazia seu show.
O cabelo comprido é tudo que se pode ver. O que se quer enxergar. Sentir.
Seus óculos quase invisíveis e seus olhos de poeta que analisa forçam um desvio eficaz.
E fugindo do olhar, olhar pro rosto perde o sentido.
É do tipo que te faz ficar na ponta dos pés pra um abraço.
Extremos.
Uma visão horizontal te remete ao primeiro botão da camisa social – sempre social.
E tu percebes que visão não é o único sentido necessário.
Basta ele abrir a boca – aquela mesma que tu sempre evita olhar – com um violão na mão pra embalar e enterrar mesmo os mais dispersos e desinteressados na própria arte. Arte própria, das melhores.
Sensível ao toque, tão sensível que quase não permite contato que é pra não ter efeito visível.
Só visível.
Mas mesmo que não pudesses ver o rosto, ouvir a voz e nem sentir o toque, tu reconheceria sua presença pelo cheiro de boemia. Cheiro de poesia. Poeta à revelia.
E pra não dizer que não falei do gosto, gosto sim do que ainda não conheço nesse guri.

Depois de meses de ócio - não tão criativo quanto deveria - nós voltamos.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

“E se realmente gostarem? "

"Se o toque do outro de repente for bom?
Bom, a palavra é essa. 
Se o outro for bom para você.
Se te der vontade de viver.
Se o cheiro do suor do outro também for bom.
Se todos os cheiros do corpo do outro forem bons. 
O pé, no fim do dia. A boca, de manhã cedo.
Bons, normais, comuns.
Coisa de gente. 
Ninguém mais saberia deles se não enfiasse o nariz lá dentro, a língua lá dentro, bem dentro, no fundo das carnes, no meio dos cheiros.
E se tudo isso que você acha nojento for exatamente o que chamam de amor? 
Quando você chega no mais íntimo.
No tão íntimo, mas tão íntimo que de repente a palavra nojo não tem mais sentido. 
Você também tem cheiros. 
As pessoas têm cheiros, é natural”

Caio Fernando Abreu, em: Estranhos Estrangeiros

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Quem impõe, incontestavelmente, sua opinião, geralmente não apresenta provas suficientes pra comprovar sua razão.
Acordei, olhei em volta, e percebi que ninguém me obrigou a abrir os olhos.
Reparei também que o meu mal-humor transbordava pelas narinas e que todos já percebiam isso há tempos só pelo tom em que eu disparava meu "bom dia" da boca pra fora  - porque o que eu realmente queria é que o dia de todo mundo fosse, de fato, pior ainda que o meu, só pra eu ter uma base de comparação.
Minha cabeça lateja. Meus olhos têm uma tonelada de vontade de fechar. E eu sei que é só o começo.Ou a continuação de ontem, tem sido igual mesmo...
 Mas hoje, excepcionalmente, decidi pensar.
Poupando os devaneios desnecessarios, cheguei a conclusão de que tá faltando olhar.
As estrelas daqui, que são tão mais visíveis.
O sorriso daquela velha a quem eu fingi não ver do outro lado da rua, de manhã.
Falta reparar naquele guri que eu nunca lembro o nome e que faz tanta diferença pra mim.
No movimento das minhas pernas que admiravelmente não precisam que eu as mande fazer nada. Sempre ali, prontas a me levar onde é preciso.
De repente, parei de olhar pro lado podre das coisas. Cansei de procurar motivos idiotas pra justificar meu fracasso. E o seu.
Nossa infelicidade é fruto da nossa incompetência. Naõ culpe o resultado que você mereceu.